Debaixo de uma lona improvisada na lateral de um dos veículos, cinco homens se amontoavam na espera do café feito na modesta caixa de cozinha para se proteger da forte chuva que caía na manhã desta sexta-feira, 15, em Camaçari, Região Metropolitana de Salvador.
Ao longo do pátio da Ford, muitos outros, vindos das mais diversas partes do Brasil, se dedicavam às mais variadas tarefas para vencer o tédio e a incerteza da volta para casa e do recebimento do suado salário, já que recebem por comissão apenas no ato de entrega das mercadorias.
O anúncio do encerramento das linhas de produção da empresa no Brasil pegou cerca de 90 caminhoneiros que prestavam serviços para a montadora de surpresa. Em condições beirando a insalubridade, já que não possuem estadia, fornecimento de alimentação ou até mesmo acesso à água, captada das torneiras de um banheiro destinado para os vigias da planta da montadora, alguns já acampam nas boleias dos seus veículos desde o último domingo, 10, quando chegaram para realizar a descarga dos materiais no local.
“Cheguei no domingo aqui e só tinham dois caminhões. Aí nos disseram que só iam descarregar na terça-feira pois na segunda era folga da empresa. Quando chegou na segunda veio a notícia e desde então estamos nessa situação aí”, afirmou o motorista Denilson Santos, residente de Camaçari e que buscou a carga em Limeira, a 134km de São Paulo e 1964km de Camaçari.
De acordo com ele, que fazia a linha de transporte de carga da montadora desde 2018, a empresa não deu nenhuma satisfação que justificasse o não-recebimento das cargas, o que tem atrapalhado a vida de muitos dos trabalhadores já que não estão recebendo as diárias relativas ao tempo parado como era de praxe durante a atividade da fábrica.
“A Ford não fala nada. Só tem um preposto nosso que tá tentando conseguir um local pra gente descarregar para que possamos ir embora. A maioria é pai de família e não é daqui. Aí tamo tudo garrado aqui desde segunda-feira, alguns desde domingo e até agora não se resolveu nada”, desabafou.
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Com 38 anos de estrada, o mineiro Adriano Souza, 63 anos, também lamentou o ocorrido e disse que jamais viu situação semelhante mas que, apesar das dificuldades o ânimo entre os motoristas tem estado controlado e a principal dificuldade têm sido a saudade da família.
“A gente fica sabendo através do Whatsapp e do telefone né? Dá saudade. Até por nunca termos ficado esse tempo por aqui nessa linha. De vez em quando chegava cedo e voltava até no mesmo dia, era só descarrega. Agora, estamos tendo essa surpresa desagradável”, afirmou.
A incerteza do desemprego após o fechamento de uma linha de transporte tão produtiva, onde muitos dos entrevistados afirmaram ser sua maior renda, também tem sido uma fonte de preocupação entre os trabalhadores.
“A gente carregou o caminhão lá [São Paulo] e tava tudo bem. Nem imaginaria uma situação dessa. Quando chegamos aqui, escutando pelo rádio é que ficamos sabendo. Foi uma decisão muito rápida, uma surpresa. Não está sendo fácil. Não sabemos o que vamos fazer, todos esses empregos ninguém sabe o que vai ser, é um desastre”, lamentou.
Fechamento da Ford
Após 20 anos de atividade no estado, o fechamento do Complexo Industrial Ford Nordeste pode impactar nos empregos de 12 mil trabalhadores diretos de acordo com estimativas do Sindicato dos Metalúrgicos de Camaçari. O grupo afirma que os postos de trabalho perdidos apontam para 5 mil da Ford e outros 7 mil de empresas e transportadoras que prestavam serviço para a montadora, onde os caminhoneiros se encaixam.
Em nota, a Ford afirmou que “está informando aos seus fornecedores que os caminhões que estão parados na fábrica ou a caminho deverão retornar aos respectivos fornecedores, e essas questões serão tratadas diretamente pela Ford com cada empresa".
Procuradas pela reportagem, a Nova Minas Transportes e a Transportes Furlong, que faziam o serviço de transporte de cargas para a montadora, não responderam o contato assim como o Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários de Cargas do Estado da Bahia (Sindicargas).
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Para mitigar a situação dos funcionários ilhados, as empresas enviaram uma ajuda de custo de R$200 para que os trabalhadores possam se manter enquanto aguardam uma solução. Algo visto como pouco por muitos dos motoristas dada a incerteza do período que precisarão passar à deriva no estacionamento da montadora.
“Deram uma mixaria para cada um aí e foi isso. Aí tamo aqui desde segunda-feira, você vai no mercado com duzentos real o que você traz? Não é todo mundo que tem cozinha. A gente se junta, baixa a cozinha do Dirceu aqui e vamos um ajudando o outro”, afirmou o mineiro Leandro Tuchtler, 36 anos, que trabalhava no trajeto há um ano e meio.
Leandro questionou a falta de informação entre os setores responsáveis pela negociação e afirmou que muitos dos motoristas já começam a cogitar a tomada de medidas drásticas para solucionar a situação, ou ao menos se ver livre desta pesada carga.
“Tô vendo a hora que vai ter gente jogando a carga no chão. Já tá entregue mesmo. Aí iam chamar a polícia pra prender nós enquanto eles tão tranquilos. Todo mundo dormindo em casa, todo mundo de boa com as suas famílias e nós aqui nessa situação. Vamos fazer o que? A gente tem que ir embora. Temos família, precisamos do dinheiro, não dá para ficar parado aqui. Estamos perdidos aí. Não tem lugar de tomar banho, não tem lugar de comer direito, toda a água que conseguimos vem das torneiras do banheiro da guarita ali”, desabafou.
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A solidariedade de funcionários da montadora, que haviam disponibilizado um café da manhã nesta sexta, e da própria categoria com seus pares, também foi valorizada por Denivaldo, o motorista com mais tempo de trabalho direto com a Ford, 7 anos, entrevistado pela reportagem.
De acordo com ele, toda informação recebida também é passada através da equipe de segurança da Ford e há a expectativa de que uma reunião, marcada para a próxima segunda-feira, 18, possa dar um fim ao sofrido imbróglio.
“Toda a posição que a gente recebe é dos rapazes da segurança ali. Vem aqui fala alguma coisa e é isso que a gente fica informado. O que a gente sabe é que vai ter uma reunião na segunda-feira pra decidir o que será feito com essas cargas mas até o momento não há nada de concreto. Se vão descarregar ou não, ficamos sem saber né? Queremos só resolver essa situação. Que descarreguem os carros, que mandem o pessoal de volta pra casa, que mandem para algum galpão, alguma coisa precisa ser feita”, pediu.
Incertezas que vigoram em meio a um complicado momento no país com a iminência de uma nova greve dos caminhoneiros “temos visto a movimentação pelo Whatsapp. As reinvindicações da categoria não foram atendidas. Acho que vai acontecer mas por enquanto é só especulação” e uma pandemia que já matou mais de 207 mil pessoas no país, mas que não interrompe as atividades da categoria por conta da necessidade.
“A gente não pode se dar a esse luxo de parar né? Se para, como nossa família vai comer? E como a família dos outros vai comer? Com pandemia ou não a gente tá na estrada”